segunda-feira, 5 de julho de 2021

Um dia sonhei que tinha os teus olhos.

Não, não os olhos. 

Um dia sonhei que tinha o teu olhar 
cheio, que consegue penetrar a alma e 
(des)concertá-la num segundo apenas.

Assim, tal e qual, mulher-tornado
Sem receio da força da sua voz
Nem do poder do seu corpo.

Consciente, ainda que perdida em si
Na intensidade de um levantar voo
E na dúvida recorrente da aterragem

Se te disserem que és em excesso,
responde que de nós só há falta.
Dizer excesso é mera ignorância 
da escassa coragem de se ser seu.

Por isso excede-te sempre. Sem hesitação
Sem remorso. Sem lamúria. Sem pudor.
A vida não é feita para se ter grandes certezas.

E não te esqueças, que um dia, três mulheres-tornado disseram:
"O pudor é uma nostalgia, serve para fingir que estão mortos os vivos demasiado incômodos."

A ti que nasceste com nome de mar 
E flutuas nesse limiar ténue
Entre o fundo do oceano e o princípio do mundo
Queria dizer-te que te invejo

Invejo essa tua espontaneidade crua
A energia que trazes a rebentar no corpo
Capaz de contagiar a humanidade inteira
e fascinar seres secos e rígidos como eu.
 
Eu que nunca soube como encher uma sala
E sempre procuro o pequeno conforto do canto
Olho-te quando entras, pronta a transbordar o rio,
e penso que essa força toda só pode vir do teu nome.

E tu vais alegar que é falso, que não és nem nunca foste tu,
Mas pouco importa a tua inconsciência de ti
Pouco importa se sabes que há tantos dias de mar alto 
Quantos dias de serena maresia 

Pouco importa que saibas que te invejo ou não
(Talvez por isso nunca to tenha dito assim) 
A única importância é que não te esqueças,
Que tens nome de mar. E o mar, 
não acaba nunca.