sábado, 10 de outubro de 2020

M.a.c

Vejo-os nascer onde nasci. São agora sobretudo filhos de mães emigrantes, vêm sozinhas e encontram-se rodeadas por pessoas que não falam nenhuma língua que percebam por completo. Dizem que as de naturalidade portuguesa já têm poucos filhos e ainda menos em hospitais públicos no centro de Lisboa.

Tu, homem, pedes para não utilizar a palavra parir, que é "muito forte". Melhor seria "dar à luz", eufemismo tranquilizante. Até porque há que poupar os homens à imagem real de mulheres a expelir à força crianças por vaginas que jorram misturas de todos os fluídos. Isso não é nada bonito. 

Acontece que são assim os momentos bonitos, cheios de uma sujidade imunda e lágrimas simultâneas de sofrimento e paixão. Não há dúvidas sobre o parto ser um evento traumático, não tocam violinos nenhuns no fundo nem há uma janela com o sol a pôr-se. Lamento a desilusão.

Isto são mulheres a parir de máscara, sem acompanhante, em salas minúsculas com portas de correr, a dar o seu melhor para não perder demasiada energia no grito. São mulheres que não podem dar nome ao filho, visto na sua cultura essa função ser exclusiva do pai. Pouco lhes importam as mazelas (usando uma expressão menos forte para as lacerações perineais) desde que o bebé chore e lhe digam que está bem e o coloquem contra o seu peito exausto.

Por isso, olha que se lixe, está na hora de se deixar de esconder a dureza da vida. É parir sim, com orgulho, com coragem.

2 comentários:

  1. E o mais triste é que 95% (estarei a ser optimista?) dos homens nem sequer respeita ou admira as mulheres; muitos nem sequer a própria mãe...

    Um beijinho, Alice.
    🌿🌼

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  2. Exacto, cada vez mais me considero incapaz de ser indiferente a essa falta de empatia e de respeito. Há que lutar contra os pequenos estereótipos que até começam logo à nascença.
    Um beijinho, Maria

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