terça-feira, 1 de setembro de 2020

Sobre a constatação da mistura inevitável de que somos feitos

"Não era a depravação da vida o que me chocava e entristecia. Nem que a pureza me parecesse uma cidadela ameaçada e inatingível. Precisamente uma das coisas que eu, por experiência própria, ia aprendendo era que ambas coexistiam da maneira mais insólita e nas situações mais inesperadas. Havia assomos de pureza profunda, em seres e em momentos de degradação total; e as pessoas puras nunca o eram tanto, que alguma degradação não as rodeasse, que elas aceitavam. O que me doía e inquietava não era isso, mas que a pureza e a degradação se misturassem tão inextrincavelmente, dependessem tão intimamente uma da outra, que às vezes se pudesse não saber não só se as motivações de uma não era a outra. Mesmo mais e pior: a que ponto nós não as reconhecíamos, não tínhamos como distingui-las. Na verdade, muito pior que uma poder ser ou parecer a outra era que nós não soubéssemos ao certo, num dado momento, de qual se tratava."

Jorge de Sena, Sinais de Fogo   

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